sábado, 20 de março de 2010


Reconhecimento
Texto de Gabriel Luccas

“Perdemos, paciência. Campeão moral? Pra mim não me serve. Campeões da burrice. É, campeões da burrice tática. Esse título me parece mais apropriado. Era o que eu tinha a dizer”. As palavras do jornalista João Saldanha em um de seus comentários à Rádio Tupi do Rio de Janeiro expressavam bem o sentimento dos que esperavam que o Brasil “esmagasse” a Itália na partida eliminatória da Copa do Mundo da Espanha de 1982, disputada no estádio Sarriá, em Barcelona.
Mas e eu? Até hoje não entendo como a mídia, que sempre levou a fama de fabricar mocinhos e bandidos ao longo dos anos, não me crucificou. Afinal, a chance de salvar aquela lendária seleção esteve nos meus pés. Aliás, é engraçado que não me recordo da minha vitoriosa carreira como jogador de futebol. Mas, afirmo: daquela partida especificamente ninguém lembra de mais detalhes do que eu.
Estava me recuperado de uma grave contusão no joelho. Poderia enfrentar a Itália. Conversei com o Telê Santana um dia antes e ele disse que confiava em mim, mas que o time estava acertado do meio para frente com Sócrates, Zico, Éder e o Serginho Chulapa. Ao menos garantiu que na etapa final eu jogaria.
Chegamos ao Sarriá muito confiantes. No aquecimento, ainda dei algumas dicas aos titulares, principalmente ao Zico, que se espelhava na minha técnica para jogar. Por falar naquele grupo, não há um que não me telefone até hoje para saber como estou. Eu era –e sou – muito querido nesse meio. Modéstia à parte, sempre fui o melhor da minha geração.
Sobre o adversário não havia muito o que estudar. A Itália jogaria como sempre atuou: recuada e esperando pelo nosso erro. E o primeiro aconteceu logo aos 5 minutos. Um tal de Paolo Rossi marcou o primeiro gol deles.
Lá do banco eu percebi o nosso treinador nervoso. Já eu nem me abalei, sabia que ganharíamos. Olhei para o Valdir Peres, dei uma piscadinha e com as duas mãos fiz um sinal para ele esquecer aquele susto. Iríamos virar quando quiséssemos.
Aos 12 minutos, empatamos. O Zico deu belo passe para Sócrates, e o Doutor tratou de mandar para a rede. A confiança era tanta que comecei a contar piada para os reservas. Cheguei até a exagerar no relaxamento. Logo o Telê me deu um olhar fuzilador e fiquei quieto.
Aquele tal de Rossi fez mais um gol aos 25 minutos. O Toninho Cerezo tentou inverter o jogo no campo de defesa e deu uma bola açucarada para aquele italianinho Ele esperou a saída do Valdir e, pela primeira vez, me deixou com a mão gelada.
Mas quando a  “Azurra” começava a perceber que no futebol milagres acontecem, exatamente na metade da etapa final o Falcão chutou forte e recolocou a lógica em pauta. E, olha, tudo ainda estava nos planos da Itália. O empate tava ótimo para eles. O pior é que já tava até visualizando o Chulapa fazendo o gol da nossa virada. Assim eu nem iria jogar
Aos 30 minutos, o Paolo Rossi completou cobrança de escanteio para o gol mais uma vez. Com o 3 a 2, mudei minha fisionomia. Enchi o peito de ar, me aqueci e logo fui chamado para entrar na equipe. No desespero, o Telê me colocou no lugar do Leandro, e me lancei ao ataque.
Não chegava uma bola em mim. Mas no último minuto a nossa sorte parecia ter mudado. O Júnior deu um chutão pra área da Itália. Mesmo marcado por dois zagueiros, consegui dominar a bola e ficar de frente pro goleiro deles. Ia marcar quando fui puxado pela camisa. O juiz não teve dúvidas: apitou o pênalti. Nem Zico, nem Sócrates, nem Éder, nem Chulapa... ninguém ousou tirar a bola debaixo dos meus braços.
Quando ajeitei ali na marca da cal, imaginei Dona Marta e Seo Osvaldo, os meus pais, colados na televisão e já aos prantos. E o resto da população? A molecada que sempre jogou comigo já devia dar como certo aquele gol. E eu também. Tomei quatro passos de distância. Tinha a certeza da glória. Fui lentamente para a cobrança e desloquei o Zoff. Mas a bola caprichosamente tocou o travessão e foi pela linha de fundo.
A partida logo acabou e fomos eliminados. A tristeza era geral. Mesmo fora do Mundial, o Brasil manteve a fama de ter o futebol mais vistoso do mundo. Mas eu tinha a certeza de que ninguém me perdoaria por aquele erro – tal qual fizeram com o Barbosa, o nosso goleiro que tomou o gol da derrota na final da Copa do Mundo de 1950.
Os cronistas esportivos da época, como o Saldanha que falei lá no começo, ficaram em choque. Lamentaram muito a nossa derrota. Criticaram exaustivamente o Telê, o Cerezo... nem o Zico escapou. Mas, acreditem, me pouparam de qualquer comentário. Juro! Aliás, não vi uma linha sequer comentando a minha passagem pela seleção. Até hoje ninguém reclamou que bati aquele pênalti de maneira errada. Deve ser pra não reviver a dor daquele momento. Ou para preservar o craque que eu sempre fui.

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